Novos protagonistas entram para a história natural das ervas-de-passarinho, um grupo de plantas parasitas muito diversas, com mais de 1500 espécies descritas. Investigando a ecologia dessas plantas, um grupo de pesquisadores do Brasil e do México descobriu que o gênero Psittacanthus, com mais de 120 espécies conhecidas, não tem apenas beija-flores como potenciais polinizadores, mas também abelhas e morcegos. O estudo especula sobre o papel desses novos polinizadores para a diversificação do gênero. O artigo publicado pelo periódico está disponível aqui.
Rodrigo Fadini, que há mais de
uma década estuda ervas-de-passarinho em savanas amazônicas, notou a presença
de abelhas visitando flores de uma das três espécies de Psittacanthus em sua
área de estudo. “Quando vi essas interações pela primeira vez, duvidei de mim
mesmo, pois toda a literatura sobre o gênero documentava os beija-flores como
visitantes florais dessas plantas”, lembra.
Recentemente, Fadini e uma
estudante de mestrado, Sônia Castro, resolveram estudar a polinização dessa
planta para confirmar suas suspeitas. Eles também buscaram outras evidências
que identificavam o papel de outros animais na polinização do gênero. “As
informações eram limitadas, mas havia algumas observações pessoais publicadas
em um livro específico da área, além de um estudo não publicado, realizado no
Pantanal brasileiro, que relatava a visitação de outra espécie de Psittacanthus
por morcegos.” Assim, Fadini convidou Erich Fischer, professor da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande, para desenvolverem um
trabalho e documentarem essas interações. Além de Erich, coordenador do estudo
no Pantanal, o grupo de pesquisadores da UFMS também é integrado por Andrea
Araújo e Paulo R. Souza.
“O trabalho em si já era muito
legal porque, além de descrever as interações, nós fizemos registros
fotográficos e filmes de alta qualidade das espécies visitantes”, explica
Fadini. Foi aí que surgiu outro personagem na história, Juan Francisco Ornelas,
do Instituto de Ecologia, Veracruz, México. Juan Francisco entrou em contato
com Fadini para pedir amostras de Psittacanthus do Brasil, a fim de estudar a
filogenia do gênero. “Eu propus a ele que conduzisse uma análise preliminar,
incluindo as espécies que estávamos estudando aqui no Brasil”, explica Fadini.
O resultado foi surpreendente! As espécies visitadas por abelhas e morcegos se
agruparam, formando um grupo diferente das espécies visitadas por beija-flores.
Assim, a participação de Juan Francisco tornou-se essencial para o trabalho.
Os resultados encontrados pelos
pesquisadores também colocam em cheque estudos que utilizam características
pré-estabelecidas das plantas, como síndromes de polinização, para avaliar seus
papéis em trajetórias evolutivas de outras espécies de plantas, incluindo as
ervas-de-passarinho.
“É muito comum que pesquisadores
assumam que os visitantes florais de uma espécie de planta sejam os mesmos de
outras congêneres. Nosso estudo mostra que é preciso tomar muito cuidado com
tais afirmações, sem que haja observações das interações em campo”, afirma.
"Psittacanthus eucalyptifolius", polinizada por abelhas - Foto: Rodrigo Fadini |
Ciência básica x Ciência aplicada
Já se tornou senso comum
considerar que os resultados de ciência básica, como estes que o Prof. Fadini e
seus colaboradores apresentam, não possuem resultados imediatos, como os
obtidos pela ciência aplicada. Porém, como destaca o pesquisador, muitos
estudos de ciência básica podem se tornar aplicados no futuro.
“A ideia de que estudos básicos
resultam apenas em gastos desnecessários não é correta. Há diversos exemplos de
estudos conduzidos por pesquisadores apaixonados por história natural e ciência
básica que resultaram em produtos e técnicas de aplicação na vida cotidiana das
pessoas. E mesmo que não tenham aplicação prática, o que move a ciência é a
curiosidade do cientista. Impedir que isso ocorra é um verdadeiro tiro no pé”,
afirma.
“Nosso grupo de estudantes e
pesquisadores vem estudando as ervas-de-passarinho sob vários aspectos em
savanas amazônicas, florestas e áreas urbanas. Muita gente não sabe, mas
ervas-de-passarinho produzem uma liteira muito rica em nutrientes e há
experimentos mostrando que elas exercem um efeito propulsor da diversidade
local de plantas e animais. Talvez possamos utilizá-las para acelerar a
recuperação de áreas degradadas. De qualquer forma, parece sempre haver uma
surpresa vinda desse grupo de plantas que têm planta e bicho no mesmo nome”,
conclui.
Talita Baena – Comunicação/Ufopa