O jornalista paulista Eduardo
Reina lança nesta sexta-feira, dia 31, o Livro Depois da Rua Tutoia, que aborda a violência praticada pelos
governos militares contra mulheres grávidas que foram presas durante a ditadura
e deram à luz na prisão, tendo seus bebês sequestrados por agentes da repressão
e entregues a pais adotivos. O livro envolve personagens reais e de ficção
sobre aquele momento histórico e as consequências para as vítimas e suas
famílias. Alguns desses casos aconteceram no Estado do Pará. O lançamento
ocorre no auditório Rio Guamá do Capacit - Coordenadoria de Capacitação e
Desenvolvimento da UFPA - Campus Básico da UFPA, no Guamá, a partir das 9
horas.
Na ocasião, haverá debate sobre o
tema “Histórias da ditadura, 53 anos depois do golpe”, promovido pela Faculdade
de Comunicação da UFPA, juntamente com Instituto Paulo Fonteles de Direitos
Humanos e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil,
Seção Pará, além do lançamento do livro de Eduardo Reina. O evento conta com o
apoio, também, da Comissão Estadual da Verdade do Estado do Pará.
“Nos últimos três anos a
Faculdade de Comunicação tem aproveitado a data do aniversário do golpe para
discutir os frutos perversos deixados pelo regime do pós-64, que violou de
forma bárbara os direitos humanos de variadas formas”, assinala a professora
Rosaly Brito, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Pará e
coordenadora do projeto de extensão Tramas Coletivas, que está à frente da
organização do evento.
Cárcere - A história contada pelo
jornalista no livro mostra o que aconteceu com a militante presa política que
teve uma filha no interior do cárcere. Entre a realidade e ficção, desenrola-se
a trama depois do que aconteceu na prisão no prédio do DOI-CODI, na Rua Tutoia,
em São Paulo, quando a bebê foi arrancada da mãe e entregue a um poderoso e
influente empresário paulista, que comandava um grupo financiador de movimentos
de repressão, principalmente os clandestinos.
Reina cita um caso com profunda
ligação com o Estado do Pará. É o de Lia Cecília da Silva Martins, nascida em
1974, na região Sul do Pará, palco da guerrilha do Araguaia. Filha de Antônio
Teodoro de Castro, o Raul, ela foi deixada ainda bebê por um delegado e um
soldado do Exército no Lar de Maria, em Belém, em junho de 1974. Essa
instituição havia sido criada por um sargento da Aeronáutica. Lia foi adotada
tempos depois por um casal que frequentava o Lar de Maria. Acabou registrada
com a ajuda de amigos em cartório na cidade de Bragança. Só descobriu sua
verdadeira história em 2009, quando viu uma foto numa matéria de jornal e se
achou extremamente parecida com as pessoas. Essas pessoas eram filhos de
Antônio Teodoro de Castro, o Raul, desaparecido desde 1973. Feito o exame de DNA
ficou comprovado que ela pertence à família de Castro.
Outro caso, que não está no
livro, porém com ligação com a capital paraense, já fruto da continuidade das
pesquisas do jornalista, é o de Rosângela Serra Paraná, criada por uma família
de militares no Rio de Janeiro. O tio-avô dela era tenente coronel do Exército,
Manoel Hemetério de Oliveira Paraná, que foi diretor do Hospital Geral de Belém
de 1961 a 1963. No livro Depois da Rua Tutoia, os personagens são baseados em
histórias reais de pessoas que viveram, lutaram contra, sofreram ou apoiaram a
repressão nos anos de chumbo. São as histórias de Margareth e José Eugênio,
Theóphilo e Cláudia Prócula, e principalmente de Verônica, personagens centrais
no livro.
A obra mostra, ainda, a vida de
Margareth e José Eugênio, militantes de esquerda que lutaram contra o regime de
opressão na década de 1960. Reina detalha que o casal criou uma célula de
resistência no município de Mauá, Região Metropolitana do ABC Paulista, e
trabalharam numa fábrica de porcelana. A mesma onde o sociólogo Herbert de
Souza, o Betinho, foi funcionário naquela década. Junto com membros da Igreja
Católica organizaram os operários e moradores pobres da região, porém foram
localizados por agentes da repressão.
Margareth ficou presa no DOI-CODI
(Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa
Interna), localizado na Rua Tutoia, no bairro Paraíso, na zona sul da capital
paulista, centro de prisão e tortura durante as décadas de 1960 e 1970. Daí o
nome do livro Depois da Rua Tutoia.
Segundo Reina, estas perguntas
ainda estão sem resposta na história recente do Brasil. “Nenhum governo civil,
após os chamados anos de chumbo, que foram de 1964 até 1985, quando a sociedade
conquista a redemocratização, ousou determinar uma investigação sobre o
sequestro de bebês. Trata-se de uma questão ainda não resolvida da ditadura
brasileira e na memória do país, principalmente quando o atualmente o regime
democrático, o Estado de Direito e inúmeras conquistas sociais estão ameaçadas
por um golpe parlamentar, midiático e jurídico”, acentua.
O jornalista mantém a sua
pesquisa em busca de outras crianças arrancadas das suas mães e conseguiu
levantar outros casos de bebês e/ou crianças sequestradas e apropriadas por
militares durante a ditadura brasileira.
O bem e o mal - O livro Depois da
Rua Tutoia mostra idealismo, corrupção, tortura, amor, traição, ódio e a
convivência entre o bem e o mal escondidos na alma dos homens e na história do
Brasil. Além disso, revela consequências inimagináveis que persistem até hoje,
depois de mais de 53 anos do golpe militar, 21 anos da ditadura e do período da
redemocratização. “Lançar o livro na região Norte, na Universidade Federal do
Pará, no curso de Comunicação e na capital paraense é um grande estímulo para
continuar as minhas pesquisas sobre este tipo de violência institucional que
precisa ser esclarecida na história e na memória brasileira”, finaliza Eduardo
Reina.