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Documento emitido pelo MPF aponta uma série de riscos socioambientais e aos cofres públicos (imagem ilustrativa por annca, em licença CC0, via pixabay.com) |
O Ministério Público Federal
(MPF) encaminhou à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)
notificação em que recomenda o cancelamento de audiências públicas sobre a
concessão da Ferrovia do Grão (Ferrogrão) previstas para as próximas semanas.
Segundo o MPF, é ilegal a
realização de audiências públicas sem consulta e consentimento prévios, livres
e informados de pelo menos 19 comunidades indígenas já identificadas ao longo
do trajeto da ferrovia, além de ribeirinhos, agroextrativistas e outras
comunidades tradicionais sujeitas a impactos.
Os procuradores da República
Paulo de Tarso Moreira de Oliveira e Camões Boaventura, que atuam no Pará, e
Malê de Aragão Frazão, que atua em Mato Grosso, também criticam a falta de
previsão de audiências nos municípios que a ferrovia deve atravessar.
A ferrovia está planejada para o
trecho entre Sinop, no Mato Grosso, e o porto de Miritituba, em Itaituba, no
Pará. As audiências públicas estão programadas pela ANTT para os dias 22 e 27
deste mês em Cuiabá (MT) e Belém (PA), respectivamente, e para 5 de dezembro em
Brasília (DF).
O MPF alerta, ainda, que a
homologação dos estudos para a concessão da ferrovia sem a consulta e
consentimentos prévios, livre e informados aos indígenas e às populações dos
municípios diretamente impactados pode levar à anulação desses estudos, que
custaram R$ 33,7 milhões aos cofres públicos, e tornar ilegal todo o processo
da concessão da ferrovia, caso realizado.
Assim que receber a recomendação
o diretor-geral da ANTT, Jorge Luiz Macedo Bastos, terá dez dias úteis para
apresentar resposta. Se a resposta não for apresentada ou for considerada
insuficiente, o MPF pode levar o caso à Justiça, inclusive por meio de ação por
improbidade administrativa e de responsabilização por eventuais danos materiais
ou morais à sociedade.
Medida antidemocrática - “O
alijamento do processo decisório das populações indígenas e tradicionais que
suportarão diretamente os impactos da ferrovia é medida antidemocrática que
viola compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”, denunciam os membros
do MPF no documento.
Entre as normas citadas na
recomendação estão a Constituição, a Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), a Declaração Americana sobre Direitos dos Povos Indígenas e
a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A Convenção nº 169 afirma que os
governos deverão “consultar os povos interessados, mediante procedimentos
apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas,
cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas
suscetíveis de afetá-los diretamente”, e que “as consultas realizadas na
aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira
apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e
conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”.
A recomendação destaca que o
direito à consulta e consentimento prévios e à participação efetiva nas
políticas de desenvolvimento estabelecidos na Convenção nº 169 não se
restringem à primeira decisão administrativa de realização de determinada
política pública e de desenvolvimento.
Esses direitos, segundo o MPF,
“se desdobram no dever de colher a válida manifestação de vontade dos povos
tradicionais afetados em cada ato administrativo que autoriza o prosseguimento
da política pública, aí se incluindo a aquiescência para realização do estudo
de viabilidade técnica dos empreendimentos”.
De acordo com os procuradores da
República, o relatório de viabilidade técnica da ferrovia homologado pelo
Ministério dos Transportes sugere interpretação equivocada de portaria sobre a
atuação de órgãos federais em processos de licenciamento ambiental (portaria
interministerial nº 60/2015), induzindo conclusão errada de que o trajeto da
ferrovia não afetaria áreas indígenas estar a mais de dez quilômetros de
distância dessas áreas.
Para o MPF, essa conclusão viola
o dever de informação às empresas licitantes, tendo em vista que pode haver
resistência das comunidades interessadas e pedido judicial de anulação do
processo de concessão, além do ajuizamento de outras ações.