De dentro do ônibus, Elton Galdino captura o cotidiano da cidade, seus personagens, suas paisagens cruas. Caminhante, para e se senta na rua para tirar da mochila seu bloco de papel e ali mesmo se põe a desenhar cenas do transitório. Em seu caos e complexidade, Belém lhe provoca e instiga. “Miro lo que pasa”, primeira exposição individual do artista, reúne dez anos de produção que revela o olhar de Elton e sua relação com o sítio urbano, suas contradições e fisionomias. A mostra abre nesta sexta-feira, 14 de fevereiro, às 19h, na Casa das Artes.
Galdino aprendeu a desenhar para aprender a escrever, começou a ler o mundo desenhando. Virou hábito. Matava aula para ir do Tapanã, periferia da cidade onde mora, ao Telégrafo para cursar aulas no Curro Velho. Lá fez tantas oficinas que virou oficineiro. O desenho, o quadrinho e a ilustração se tornaram profissão. Estudou Artes Visuais na Universidade Federal do Pará, e consolida sua trajetória na ilustração e no design gráfico.
Filho de família nordestina, Elton mantém um olhar estrangeiro ao fitar o território onde vive. “Essa relação com a cidade vem do fato de eu não me sentir totalmente belenense. Passei minha primeira infância entre o Ceará e o Piauí. Então sempre olhei Belém com um olhar de visitante”, conta Elton, que traz também em seu trabalho obras forjadas em viagens que fez a cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba - realidades que alinhava. "Eu rodo que só, mas volto pro mesmo lugar sempre, que são as questões de interação humana, de moradia, de qualidade de vida, de classe, de raça - coisas que eu vivi desde a minha infância".
Exposição
Entre seus personagens, caminhos, casas abandonadas e moradas com paredes de tijolo cru, paisagens de rio e palafitas, as multidões no lotação, a falação na calçada. Sob curadoria de Luana Peixe e Romário Alves, “Miro lo que pasa” é multimídia e conecta desenho, textos e vídeo. Quatro séries de trabalhos integram a mostra, contemplada em 2019 com o Prêmio de Produção e Difusão Artística da Fundação Cultural do Pará.
Na obra “Cadernos”¸ Elton expõe 12 cadernos artesanais com desenhos, escritos e colagens que narram viagens e percursos cotidianos. A série “Avulsos” é composta de mais de 70 desenhos, rascunhos e anotações em papéis de diversos formatos.
Em suas andanças, Elton extrapola Belém e traça um diálogo com outros destinos que visita. Em “Mora dias” são representadas seis casas, três da ocupação Emanuel Guarani Kaiowá, em Belo Horizonte (MG) e três casas da Cidade Nova, Ananindeua (PA) que estão em processo de abandono. O trabalho traz questões sobre habitação e especulação imobiliária, que fazem muitas famílias não terem onde morar, embora haja muitas casas abandonadas à ação do tempo.
Por fim, a mostra traz a série audiovisual “foto-vídeo-processo”, que revela o fazer das obras: Elton se coloca como desenhista em meio à calçada e nos ônibus, faz do mundo seu ateliê - um convite tácito a reações dos transeuntes.
“Ainda que seja possível identificar alguns dos diversos problemas típicos de centros urbanos nas obras, percebemos que o artista não nos deixa acompanhados somente pela denúncia social - necessária e importante. Percorremos por fragmentos da encruzilhada que ele vem desenvolvendo, desenhando suas experiências de encontros inesperados, rabiscando os movimentos de suas buscas por autoidentificação, assumindo as imperfeições que retratam seus trânsitos”, analisam os curadores da mostra.
Serviço
Vernissage da exposição “Miro lo que pasa”, de Elton Galdino, nesta sexta-feira, 14, às 19h, na Galeria Ruy Meira, na Casa das Artes, localizada na Praça Justo Chermont, 236, Nazaré. A mostra segue em cartaz até 27 de março. Visitação de 8h às 18h.