Durante a pandemia ocasionada pelo novo
coronavírus, os alunos da rede pública de Soure, no Marajó, continuam recebendo
merenda escolar, pronta e variada, de segunda a sexta. O cardápio inclui peixe
frito, açaí batido, água-de-coco, leite de búfala e chouriço artesanal. Todo
dia é oferecido um pacote com opções de aperitivo, entrada, prato principal,
sobremesa e suco, a partir de ingredientes naturais e regionais, adquiridos da
agricultura familiar do município.
Os esforços da Prefeitura para promover
nutrição e ao mesmo tempo cultura são coroados com a parceria do escritório
local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará
(Emater), por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Este ano, o contrato, no valor de quase
R$ 600 mil, é assinado por duas associações atendidas de forma direta pela
Emater: Associação dos Agricultores dos Campos do Marajó - AAFCAM (fornecedora
de mais de 40 produtos) e Associação dos Batedores, Produtores, Extrativistas e
Peconheiros do Município de Soure - Abepas (que fornece 10 mil litros de açaí
médio), ambas presididas por jovens mulheres. Dependendo do produto, o lucro
dos agricultores chega a atingir 70%, de acordo com estimativas da Emater.
"A Emater emite as declarações de
aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf
[daps] individuais e jurídicas, participa da construção de listagens de oferta
e demanda de produtos, a partir de costumes de consumo e calendário agrícola;
intermedeia a negociação de custo-benefício para os agricultores e acompanha
com rigor o padrão de plantio, criação e beneficiamento, dentro das normas
legais", explica o chefe do escritório local da Emater, o técnico em pesca
Fernando Moura.
Alimentação - Cerca de 4 mil e 500
famílias - com crianças ou adultos em processo de alfabetização - podem coletar
as refeições, em um horário determinado, de 9h às 10h30, nas 23 escolas de
ensino fundamental (da zona urbana, da zona rural e das praias).
A comida é preparada em uma cozinha
experimental da Secretaria Municipal de Educação (Semed) e nas cozinhas das
próprias escolas. A quantidade é calculada per capita: as famílias têm direito
a porções proporcionais ao número de membros.
"Não é só uma política pública ou a
obrigação do Estado, em seus diferentes níveis de governo, de promover segurança
alimentar. É além: somos protagonistas da emoção de oferecer a esses alunos um
alimento que conta a história deles e a história das tradições do
município", contagia o nutricionista da Semed, Georgio Sandro Penha,
responsável técnico pela merenda escolar em Soure e Salvaterra.
Algumas das iguarias são x-búfala, uma
versão saudável dos sanduíches de fast food, e sorvete de leite de búfala com
frutas típicas, para aplacar o calor do verão.
"Exploramos as potencialidades da
agricultura e damos espaço à criatividade. A maioria dos nossos alunos não tem
condições socioeconômicas de comprar o que dá vontade de comer, a maioria nunca
viajou. Por que, então, não trazer para eles a comida dos comerciais de televisão
em um formato que valoriza a regionalidade paraense e proporciona saúde?",
reflete.
Associações
Consideradas as duas Associações, são
mais de 80 produtores de nove comunidades. "Esta é uma iniciativa-chave,
um avanço muito grande. Estamos usufruindo do resultado concreto de uma reunião
de esforços entre governo e organizações sociais dos agricultores. Agora é o
processo de fornecer provas vivas de como é possível viver bem da agricultura
familiar, em termos de renda e de dignidade", diz a presidente da Aascam,
Bruna Silva (mais conhecida como "Bruna Péua"), 29, à frente da
Queijaria e Laticínio Baio Péua.
Bacharel em Direito e acadêmica de
Tecnologia em Alimentos, ela tem se voltado à área de Direito Agroalimentar:
"Merenda escolar é um dever e um direito. Representa injeção de recursos
na agricultura e modelação do paladar das nossas crianças, para o que é da
terra e para o que alimenta de verdade", completa.
Para Ariane Cecília Silva, 34,
presidente da ABPAS, "o Pnae divulga nosso produto e assegura renda.
Dizemos que é o alcance do nosso objetivo máximo: o reconhecimento do nosso
trabalho, a valorização do que produzimos, e uma comercialização justa, que nos
incentiva a expandir a atividade e a continuar sendo agricultores, inspirando
as novas gerações", pontua.
Alguns dos desafios, ainda, são a
burocratização e a diversificação de produção nas propriedades.
"Há um caso, por exemplo, de um
produtor que só cultivava cheiro-verde. Com mobilização, conscientização e
capacitação, começou a trabalhar com alface. Em um mês e meio, já pôde vender.
Desbravar a resistência é um passo-a-passo", conta Péua.