*por Rommel Barion
Há 10 anos, no dia 2 de agosto, foi
sancionada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº
12.305/2010), legislação que estabeleceu metas arrojadas para a resolução das
questões socioambientais inerentes à gestão dos resíduos sólidos urbanos no
país. Ao longo dessa década, inúmeros instrumentos previstos na Lei tiveram
avanços importantes, enquanto outros, não tiveram a mesma evolução. Afinal, o
que mudou no Brasil com a PNRS? Os avanços que tivemos foram realmente
significativos?
A Política Nacional de Resíduos Sólidos
busca no seu princípio proteger e resolver alguns graves problemas relacionados
à saúde pública e ao meio ambiente. Para isso, trouxe elementos que visam
incentivar a indústria da reciclagem, a gestão integrada dos resíduos sólidos e
a universalização dos serviços públicos de limpeza urbana. Afinal, com o
crescimento da população e do consumo dos brasileiros, se fazia necessário
pensar de maneira objetiva em elementos para colocar o consumo sustentável e a
economia circular como uma prioridade da nossa economia.
Para isso, a PNRS ofereceu em seu texto
instrumentos práticos para alcançar os objetivos como coleta seletiva,
logística reversa, planos de resíduos sólidos, incentivo ao desenvolvimento de
cooperativas de catadores, incentivos fiscais à cadeia da reciclagem, educação
ambiental, entre outros.
Mas para que isso fosse de fato efetivo,
era preciso que toda a sociedade estivesse envolvida. Por isso, a legislação
adotou o princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos
produtos, em que fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, poder
público e até mesmo os consumidores possuem atribuições individualizadas e encadeadas
com vistas a minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados. Todos
deveriam participar para que os impactos ao meio ambiente fossem sentidos.
Ao longo dos anos, os dados indicam que
houve uma pequena evolução em relação à coleta de lixo e a destinação adequada
dos rejeitos. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e
Resíduos Especiais (ABRELPE), no ano da sanção da lei o Brasil gerou 60,86
milhões de toneladas de resíduos sólidos, coletando 88,9% e destinando inadequadamente
42,4% do total coletado. Já em 2018, o país gerou 79 milhões de toneladas de
resíduos sólidos, coletando 92% e destinando inadequadamente 40,5% do total
coletado.
No que tange a logística reversa,
instrumento caracterizado por um conjunto de ações que visam viabilizar a
restituição dos resíduos sólidos ao setor produtivo, diversos segmentos de
mercado se mobilizaram para realizar a sua implantação. Dessa maneira, todos os
entes envolvidos na fabricação, comercialização e consumo de um produto
poderiam garantir que o material descartado fosse reaproveitado e se tornasse
matéria-prima, seguindo os preceitos da economia circular e da
sustentabilidade. Nesse sentido, temos exemplos muito exitosos iniciados antes
da PNRS, mas fortalecidos com a legislação, como é o caso das embalagens de
defensivos agrícolas, que tiveram 94% de destinação ambientalmente correta,
impulsionado pelas ações do Sistema Campo Limpo. Outros exemplos positivos são
o de embalagens de óleos lubrificantes, cuja coleta foi de 98% e a reciclagem
de 95,6% do total de embalagens plásticas produzidas em 2018, e o de pneus
inservíveis (que não podem mais ser aproveitados), com a destinação correta de
4,5 milhões de toneladas entre 1999 e 2017. A PNRS também impulsionou a
realização de sistemas de logística reversa em alguns outros setores como o de
eletroeletrônicos.
Entre os sistemas de logística reversa
mais significativos do país, que surgiram após a sanção da PNRS, está o de
Embalagens. Este sistema foi implantado por meio do Acordo Setorial de
Embalagens em Geral, firmado em 2015 entre o Ministério do Meio Ambiente e o
setor produtivo, representado pelas associações que constituíam a Coalizão
Embalagens. Na época, a Coalizão reunia 20 associações brasileiras que
congregavam 3.876 empresas em diversos segmentos.
O Acordo Setorial estabeleceu metas de
recuperação das embalagens que compunham a fração seca dos resíduos sólidos
urbanos, prevendo a realização de ações, investimentos, suporte técnico para a
gestão integrada de resíduos sólidos urbanos e ações de conscientização para a
população. As ações da Coalizão Embalagens possibilitaram um aumento de 28,6%
na taxa total de recuperação de materiais na fração seca entre 2012 e 2017, com
um investimento de R$2,8 bilhões, trazendo benefícios para a população e para o
meio ambiente. O Acordo Setorial passou por um período de transição de 2018 a
2019, sendo que a expectativa é que em 2020 entre em vigor a Fase 2 ou novos
acordos setoriais conforme o tipo de material descartado.
Muitos setores produtivos ainda
apresentam algumas dificuldades para a apresentação de ações práticas de
logística reversa, por diversos fatores que vão de impasses na negociação de
acordos, a questões financeiras. Também são obstáculos a deficiente
fiscalização e controle, e a ausência de ações de incentivo por parte do poder
público.
Mas a principal lacuna brasileira em
relação aos resíduos sólidos segue sendo os lixões a céu aberto. A PNRS previa
o fim dos lixões em 2014, mas por conta de diversas dificuldades financeiras,
limitações por parte dos municípios ou falta de interesse dos governantes, a
meta jamais foi alcançada. A ABRELPE apontou que em 2018 foram destinados a
lixões ou aterros controlados 29,5 milhões de toneladas de resíduos em mais de
3 mil municípios, um cenário preocupante considerando a quantidade de
populações que vivem próximas a esses locais e que estão expostas à poluição do
ar, da água, e do solo, atração de vetores de risco de incêndios. Para tentar
solucionar o problema, o Congresso aprovou no início desse mês o Marco Legal do
Saneamento Básico, que estabelece um novo prazo para o fim dos lixões entre
2021 e 2024 de acordo com o porte de cada município. O cenário, porém, é de
completa incerteza e de desconfiança de que esses prazos podem ser cumpridos.
A implementação da Política Nacional de
Resíduos Sólidos é um desafio tremendo, especialmente para um país de
proporções continentais e de culturas tão distintas como o Brasil. O que se viu
ao longo desses dez anos foi uma evolução na realização de projetos e propostas
e a necessidade de discutirmos com mais seriedade a pauta ambiental. Vimos
iniciativas de empresas, entidades, associações, sindicatos e órgãos públicos
na busca pela implementação de sistemas de logística reversa, economia circular
e adoção de práticas sustentáveis. Vimos, claro, o descaso e o desinteresse por
parte de alguns, mas podemos concluir que houve uma evolução ao longo da última
década. Foi uma evolução lenta, mas que apresentou resultados importantes. É
preciso que o setor produtivo continue a se engajar, que a população se
conscientize e pressione pela implantação de pautas ambientais e que os órgãos
públicos realizem de maneira efetiva a implantação de ações de incentivo.
Somente com a colaboração de todos esses atores poderemos chegar ainda mais
longe.
*Rommel Barion é empresário e presidente
do Instituto Paranaense de Reciclagem (InPAR)