O Ministério Público Federal (MPF) no
Pará considerou uma grande vitória para a defesa dos direitos indígenas a
publicação, pelo Ministério da Justiça, de portaria que declarou de posse
permanente de nove povos indígenas a Terra Indígena (TI) Kaxuyana/Tunayana,
localizada nos municípios de Oriximiná e Faro, no Pará, e Nhamundá, no
Amazonas.
Assinada pelo ministro da Justiça,
Torquato Jardim, a portaria foi publicada no Diário Oficial da União nesta
quinta-feira (20), e declara a TI Kaxuyana/Tunayana, de 2,1 milhões de
hectares, de posse permanente dos povos Kaxuyana, Tunayana, Kahyana, Katuena,
Mawayana, Tikiyana, Xereu-Hixkaryana, Xereu-Katuena e Isolados.
Durante a ditadura militar, integrantes
desses povos foram violentamente expulsos de seus territórios, separados de
suas famílias, confinados em uma área insuficiente, e forçados a conviver entre
grupos de línguas e costumes totalmente diferentes.
A portaria de declaração de posse
permanente registra que a Fundação Nacional do Índio (Funai) promoverá a
demarcação administrativa da TI, para posterior homologação pelo presidente da
República.
Atuação do MPF – Em abril deste ano o
MPF cobrou da Funai que a autarquia enviasse o processo administrativo de
demarcação da TI Katxuyana/Tunayana ao Ministério da Justiça, para fins de
avaliação quanto à publicação da portaria declaratória.
O procurador da República Camões
Boaventura alertou a Funai que já havia chegado ao fim o prazo legal para
apresentação de contestação administrativa ao Relatório Circunstanciado de
Identificação e Delimitação (RCID) da TI, publicado no Diário Oficial da União
em outubro de 2015.
O MPF também lembrou que não foi
apresentada nenhuma contestação administrativa dentro do prazo legal estipulado
no decreto regulamentador, e que não há necessidade de retirada de não índios –
a chamada desintrusão – do perímetro da TI.
Entre outras considerações, o
representante do MPF também ressaltou que não havia nenhum obstáculo ao
prosseguimento do procedimento administrativo, e que os diversos povos
indígenas que tradicionalmente habitam e ocupam a TI têm reiteradamente
reivindicado o respeito aos seus direitos.
Em julho de 2018, a remoção forçada dos
povos indígenas Katxuyana, Tunayana e Kahyana pela Força Aérea Brasileira (FAB)
foi tema de palestra da liderança indígena Neide Imaya Wara Kaxuyana, da
Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em seminário sobre os povos
indígenas e a ditadura militar promovido em Santarém pelo MPF e pela Ufopa, com
apoio do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (Najup) Cabano da universidade.
Retirada forçada – Em outubro de 2015,
no anúncio da publicação do resumo do Relatório Circunstanciado de
Identificação e Delimitação da TI, a Funai informou que, de acordo com
registros históricos, esses povos indígenas estão presentes na região pelo
menos desde o século XVIII, embora tenha havido um período de esvaziamento
demográfico forçado no final da década de 1960, fato que foi recentemente
publicado no II Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV – 10/12/2014).
“O estudo comprova que os índios no
Brasil também foram vítimas de violações dos direitos humanos dos mais diversos
tipos na época da ditadura militar, dentre as quais, as remoções forçadas de
suas terras, visando à implementação de projetos considerados de segurança
nacional e ‘desenvolvimentistas’ para a Amazônia. Essas violações
representaram, para as populações, mudanças na cultura, língua, modo de vida e
base territorial, além de tê-las forçado a abrir mão destes seus patrimônios
materiais e imateriais”, registrou a Funai.
Outros fatos históricos também afetaram
o modo de vida tradicional desses povos, relatou a autarquia. No início da
década de 1960, missionários evangélicos americanos levaram boa parte dos
índios Tunayana para uma missão no Suriname. Enquanto isso, muitos Kaxuyana
morreram devido a uma grande epidemia de varíola e sarampo e, após esse
incidente, parte deles foi levada para uma Missão Tiriyó, no Parque do
Tumucumaque, reunindo-se aos índios Tiriyó.
Separados e vivendo junto a povos que
não falavam sua língua, numa região de savana (e não de floresta, na qual
estavam habituados), os Kaxuyana nunca abandonaram o desejo de um dia voltar ao
seu lugar de habitação tradicional e, no final da década de 1990, começaram a
regressar. Já os Tunayana, que tinham sido levados para o Suriname, também
voltaram para o lado brasileiro.
Preservação ambiental – Protetores do
meio ambiente, esses grupos desenvolveram uma complexa forma de relação com a
natureza, manejando seus recursos de forma a garantir os itens necessários à
sua sustentabilidade. Um exemplo disso é que sua área total constitui, junto a
outras áreas de conservação, o maior mosaico de áreas protegidas do mundo.
Os indígenas utilizam, fundamentalmente,
os rios da região, Nhamundá, Mapuera, Cachorro, Trombetas, Turuni, Kuhá e
Kaspakuro, como local do qual obtêm seus principais recursos de sobrevivência
por meio da caça, pesca, coleta, obtenção de material para construção de casas
e cestarias, além de usar suas águas como caminho para se locomoverem.
A TI Kaxuyana/Tunayana é, hoje, muito
preservada. A forma de ocupação tradicional dos índios e suas atividades
produtivas foi a grande responsável pela manutenção desse ecossistema
equilibrado.